quarta-feira, 4 de abril de 2012

E já não está de Rosângela Dorazio

Leia texto de apresentação do crítico e curador Agnaldo Farias para a exposição de fotogravura de Rosângela Dorazio.


fotografar, desenhar, gravar: dilacerar

a pretensão da fotografia, já se sabe, é a suspensão do tempo ou, o que dá no mesmo, a condenação à morte de uma paisagem, do rosto de uma pessoa, de uma cena, coisas e acontecimentos banais ou singulares, não importa, algo que a câmera, simples ou sofisticada mas sempre uma câmera mortuária, fixa em seu interior, subtraindo o movimento que obstinadamente leva de roldão tudo o que há para os confins dos dias e noites;

e não pode haver beleza no movimento, já que essa, senão em ao menos no princípio, confinaria com a estabilidade, com a rigidez própria a arquitetura, aos retratos realizados em telas e nas primeira fotografias, aquelas que demandavam aos modelos horas intermináveis em poses paralisadas; o problema é que necessitamos de beleza e, na medida em que somos o que olhamos, conservamos algo da crença milenar, relembrada por Brodsky em seu livro sobre Veneza, que aconselhava a mulher grávida a olhar para belos objetos caso desejasse beleza ao seu filho;

como tudo que há no mundo se movimenta, criamos a arte como recurso à necessidade de instância, ao coágulo do tempo e, consequentemente, à calma; arquitetura, pintura, escultura podem ser formas de produção de imagens fixas; a fotografia também, muito embora, diversamente das outras três, pode demandar nada mais do que um simples instantâneo para a captura de algo que lhe é exterior; sendo assim haveria possibilidade da beleza habitar um fenômeno de superfície como esse? para servir de morada à beleza não seria necessário mais tempo de produção sob risco de uma queda no vácuo? por outro lado, quem disse que a beleza seja, afinal, necessária? 

as fotos / desenhos / gravuras de Rosângela Dorazio comentam esses impasses;  sobrepassando a condição das fotos como espelho de imagens mortas, um plano de inflexão do mundo que atua como depósito de instantes, a artista risca parcialmente cada uma delas, ataca com uma ponta seca, um lápis que prefere sequer trocar grafite com a superfície, os renques de árvores e de prédios que margeiam lagos, parques e veredas; vai dilacerando o papel que serve de suporte aos arranjos orgânicos e geométricos, escarificando-os a maneira de um gravador que abre sulcos numa chapa de metal ou madeira através de estiletes e burís;

a artista destrói as imagens quase sempre deixando um rastro delas  nos reflexos silenciosos de lagos e poças; as imagens, agora flutuando em superficies líquidas, carregam consigo o eco de imagens que não mais existem, o que serve como demonstração da impossibilidade de reter o visível, de que toda fotografia fundada na lógica do documento e do registro acena uma ilusão tão concreta quanto a nitidez das imagens estampadas.

não há nada lá agora, diz-nos Rosângela sobre suas fotografias, o que também vale para as fotografias em geral; havia e, no seu caso, a prova está em sombras e reflexos; e porque quer que haja, porque não se resigna a essa impassividade tão bela quanto ôca, a artista risca com violência as imagens, dilacera-as de modo a pretender vivificá-las, mesmo que o seu miolo seja essa matéria branca, inexpressiva, desimportante, agora encrespado, excitado pelos gestos, a beleza se desfaz, descongelada pela energia que volta a fluir.


Agnaldo Farias

MCB apresenta - Casa do Brasil - Barraca Cigana

Fotógrafa traz o dia-a-dia do universo cigano ao
 Museu da Casa Brasileira


A exposição apresenta, por meio de fotos e vídeos, registros da fotógrafa, Luciana Sampaio, em acampamentos de ciganos

Abertura: 9 de abril, segunda-feira, das 19h30 às 22h
Visitação: 10 de abril a 3 de junho de 2012

“Casas do Brasil – Barraca Cigana” apresenta o trabalho da fotógrafa e pesquisadora Luciana Sampaio, que registrou o dia-a-dia de acampamentos dos ciganos Calon na periferia e interior de São Paulo, por meio de fotos e vídeos. Como parte da mostra, haverá uma barraca no jardim do museu, montada pelo chefe cigano Darci Soares, sua mulher Diholaila Marinho Soares, sobrinho Fabinho Soares e filha Marimar Soares, do grupo de Jaboticabal.  A barraca permitirá aos visitantes vivenciar o espaço doméstico e a experiência cotidiana da moradia cigana. Com abertura no dia 9 de abril, segunda-feira, às 19h30, permanece até 3 junho.

Casas do Brasil é um projeto criado pelo MCB, instituição da Secretaria do Estado da Cultura, em 2006, com o objetivo de fazer um inventário visual das casas brasileiras, celebrando a pluralidade das formas de morar país afora. Ao longo de suas edições, o projeto se dedica a documentar os vários modos de habitar, englobando suas dimensões antropológicas e sociológicas, e observando as diferentes escalas entre território, casa e objeto.


Em outubro de 1997, no Largo 13 de Maio, bairro de Santo Amaro em São Paulo, Luciana viu pela primeira vez um grupo de ciganas lendo a sorte na rua. “Sempre ouvi falar que eram bruxas malvadas, mas, a partir daquele momento, as cores dos seus vestidos passaram a ser um dos elementos que mais me atraíam, e que me levaram a conviver por quase 15 anos com famílias de ciganos Calon, espalhados pelo Estado de São Paulo”, relata.

Desde então, a fotógrafa documenta o modo de vida desconhecido destes brasileiros, sempre se questionando sobre como conseguiram manter, por tantos séculos, língua, vestimentas, organização familiar, habitação, meios de sobrevivência e tantos outros valores praticamente intactos. Em 2007, passou da documentação fotográfica para a produção de vídeos em que, além das atividades cotidianas, registrou também entrevistas. O trabalho resultou em um extenso arquivo documental que será, em parte, exibido na mostra.

Os ciganos retratados na exposição são da etnia Calon, falam o dialeto Chibi, e atualmente vivem em cidades do estado de São Paulo em acampamentos espalhados por seis cidades: Jaboticabal, Pitangueiras, Guariba, Ribeirão Preto, Rio Preto e São Paulo.

Em continuidade às discussões propostas pela mostra, no dia 3 de maio, às 19h30, será lançado um catálogo com material exclusivo sobre a exposição. Na ocasião, a fotógrafa e pesquisadora Luciana Sampaio, estará presente e irá interagir com o público, aprofundando as questões apresentadas no seu trabalho. Os textos são da antropóloga Florência Ferrari, doutora em antropologia Social pela USP, com tese sobre ciganos Calon no Estado de São Paulo defendida em 2010. Publicou Palavra Cigana – seis contos nômades pela Cosac Naify em 2005.

Para saber mais
Texto: Florencia Ferrari, antropóloga.

Cultura material
Colagem é a técnica artística que melhor define a estética cigana. Se não podemos falar de uma produção de objetos – como tachos e cestos são para ciganos Rom – ou de uma iconografia própria dos Calon, certamente podemos tratar os tecidos, colchas, cortinas por eles costurados ou encomendados para as barracas como parte de uma criação estética própria. Mas há “algo” além da exuberância desses tecidos que faz dessas barracas imediatamente identificáveis como ciganas e especificamente próprias destes Calon “mineiros”. Cada elemento ou cor, por separado, não constitui um “estilo”, é apenas como resultado de um princípio aditivo de materiais, cores e texturas heterogêneas que se tem o impacto da bricolagem que configura o “estilo” calon.
 
Uma unidade familiar define-se pelo modo como arruma e cuida de sua barraca. Vemos aqui como a organização do interior da barraca pode ganhar um aspecto quase sagrado, expressando, em seu apuro e asseio, os valores mais importantes da pessoa cigana.
Cotidiano
A vida de um acampamento é dedicada ao convívio familiar. Não há nada mais importante para os Calon que estar com seus parentes. Os espaços do pouso (como eles chamam os terrenos em que acampam) são extremamente codificados. Numa barraca só entram parentes próximos, os demais só vão se forem convidados. “Vem comer na minha barraca!” é uma frase repetida incansavelmente para um visitante, e este deve aceitar e comer fartamente, sendo a recusa considerada ofensiva. Mulheres juntam-se durante o dia nas tarefas femininas: buscar água, lenha, lavar e pendurar roupas no varal. Homens dedicam-se a pequenos afazeres, cuidam de cavalos e discutem negócios. Seu sustento vem sobretudo do rolo com mercadorias e da leitura da sorte na “rua”, fora do acampamento. 

As crianças têm acesso irrestrito a todas as barracas e espaços do acampamento. Muitas já foram à escola, mas abandonaram-na. Brincam muito e também ajudam seus pais no dia a dia da barraca, cozinhando e cuidando de irmãos mais novos. Passarinhos e cachorros são adorados, e fazem parte da paisagem do acampamento. Performances dramáticas têm lugar a todo momento acerca de assuntos os mais corriqueiros, tornando o cotidiano calon pleno de afeto.

SERVIÇO
Casas do Brasil – Barraca Cigana
Abertura: 9 de abril, às 19h30 – entrada gratuita
Visitação: 10 de abril a 3 de junho
Patrocínio: Ornare
Apoio cultural: BOOMSPDESIGN
Apoio: Projeto realizado com o apoio do Governo do Estado de São Paulo, Secretaria da Cultura, Programa de Ação Cultural 2011

Local: Museu da Casa Brasileira
Horário: de terça a domingo das 10h às 18h
Endereço: Av. Brigadeiro Faria Lima, 2705 - Jardim Paulistano
Tel. 3032-3727
Ingresso: R$ 4,00 – Estudantes R$ 2,00
                  Domingos e feriados – gratuito
Acesso a portadores de deficiência física.
Visitas orientadas: 3032-2564 - agendamento@mcb.org.br

Estacionamento: de terça a sábado até 30 minutos, grátis; até 2 horas, R$ 12,00, demais horas, R$ 2,00. Domingo e feriados, preço único de R$ 15,00. Eventos Noturnos, preço único de R$20 reais.
Bicicletário com 20 vagas

Informações para a imprensa | Museu da Casa Brasileira
Solange Viana - Coordenadora de Comunicação | comunicacao@mcb.org.br
Mercedes Guilloux – Assist. de Comunicação |assistcomunicacao@mcb.org.br 
Izabelle Prado - Assistente de Comunicação | assist2comunicacao@mcb.org.br 

Informações para a imprensa - Secretaria de Estado da Cultura:
Ciro Bonilha – (11) 2627-8166 cbonilha@sp.gov.br
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