quarta-feira, 7 de agosto de 2013

"Escalabrados"...por Renata Wilner, crítica de arte

"Escalabrados y Derrames" é a nova exposição individual que a artista, Rosângela Dorazio apresenta a partir de amanhã, 8, na Galeria do Chile, em convite realizado pelo Itamaraty.

Leia texto de Renata Wilner, crítica de arte de Pernambuco.


 Texto para a Exposição ESCALAVRO E ENTORNO de Rosângela Dorazio


O EMBATE POÉTICO ENTRE IMAGEM E MATÉRIA

A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Augusto dos Anjos

Rosângela Dorazio apresenta, nesta exposição, as séries “Do Verbo Amar” e “Escalavrados”. Nelas, a artista mostra um mesmo princípio em modos diferentes e em determinados aspectos, opostos. Trata-se da ênfase sobre a ação: escalavra o suporte material da imagem, ou entorna suavemente café sobre aguadas de nanquim. Introduz um ponto de interferência sobre o que já se constituía como imagem gráfica ou fotográfica, que se desfaz e refaz qual novo paradigma de si. Apresenta-se como outra, que já não é mais a imagem construída sobre códigos confortáveis, mas sua negatividade ou avesso.
Assim, Rosângela Dorazio desestabiliza paisagens interiores e exteriores, sujeitas a interferências acidentais ou nem tanto... Pois o gesto tem início na intenção.
O café das memórias olfativas, afetivas, servido na cama ou na mesa para um, dois ou três, derramado e sujo, respingado de carícias e mágoas. Convívio diário, intimidade, solidão, relação a dois, triângulos amorosos, encontros, desencontros e toda sorte de arranjos dinâmicos e jogos do devir dos relacionamentos. Os excessos extravasados, escorridos, recolhidos e as manchas deixadas. O previamente traçado em figuras familiares, marcado pela interferência imprevisível de um gesto repentino. O desenho das relações altera-se diante do inesperado. O aguado e o entornado encontram-se sobre uma superfície, sobreposições de um cotidiano complexo.
Entre o céu e a terra, um hiato que vai se abrindo. O mundo das coisas que se desfaz, escalavrado. Já não é a suavidade líquida do café escorrido (mas que queima e mancha); agora o gesto se torna incisivo. Goiva que fere e revela a carne branca sob a pele da imagem. Memória da presença que se reconstitui na imaginação através dos indiciais reflexos aquáticos, resíduo de Narciso ou isto não é uma paisagem?
Entre aparências e desaparições, marcas gestuais. Na imagem subtraída, vemos mais. Ao agir estrategicamente sobre a imagem, Rosângela Dorazio gera um campo perceptivo onde o jogo de presença e ausência requer por sua vez uma postura ativa também por parte do espectador. O apagamento, neste caso, se opõe à anestesia, já que conduz à aesthesis. É preciso apagar para estimular nossos sentidos anestesiados pela profusão de imagens no mundo contemporâneo. Ao mesmo tempo, ao talhar seu suporte, a imagem é desmistificada.  
Embora o gesto dos Escalavrados seja rígido, a paisagem se torna fluida. Mundo sólido que se desmancha aos nossos olhos, no ar e na água. As figuras da série “Do Verbo Amar”, corpos sólidos que contém líquido fumegante – desejo que transborda e entorna sobre si, mancha e desmancha. Fluxos e refluxos das emoções. Rotinas alteradas.
Derramar suavemente pode deixar tantas marcas quanto os cortes agressivos. E não há como escapar incólume.

 Renata Wilner
Julho de 2012

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